sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Palcos de Comunicação

De regresso a este espaço estão também alguns textos elaborados por colegas e amigos de área da comuniciação sobre os mais variados temas (uma fora de enriqecer o blogue com outras perspectivas). Assim, aqui ficam as palavras da minha colega Ana Martins dedicadas à passagem da vida académica para o mercado de trabalho.


"Tudo na nossa vida acontece em palcos. Diferentes, semelhantes, repetitivos ou surpreendentes. Vestimos e despimos personagens e acumulamos aprendizagens de cada vez que o pano cai e novas luzes se acendem. É isso que sente um profissional de comunicação quando deixa a faculdade e finalmente entra no enredo selvático e desafiante do trabalho: uma passagem para um novo palco, onde o argumento, a cena e as personagens são diferentes, mas as regras e a base que estão na interpretação se mantêm.

Sou licenciada em Comunicação Empresarial pela Escola Superior de Comunicação Social, do Instituo Politécnico de Lisboa e trabalho em agências de comunicação há dois anos e meio. Claramente ainda sou uma estudante. A passagem faz-se com receio e expectativa, mas felizmente com a confrontação positiva entre a aprendizagem e a profissão. Durante quatro anos ouvem-se teorias, abordagens, modelos e regras que estão depois na base de todo o trabalho, desde a elaboração de estratégias de comunicação, ao contacto telefónico de trinta segundos com o serviço de agenda de uma redacção. Existe sobretudo o sentido de profissionalismo e de legitimação do trabalho de Relações Públicas: qualquer proposta, e-mail, acção, contacto deverão ser devidamente fundamentados, de acordo com os objectivos do nosso cliente, a mensagem definida e, claro está, as necessidades e características dos nossos públicos. Como poderemos persuadir os órgãos de gestão para uma determinada ideia ou avaliar o nosso trabalho no final de cada projecto, se não tivermos uma argumentação baseada na investigação e na monitorização da envolvente? Já do lado dos públicos alvo da nossa comunicação, como poderemos transmitir uma mensagem ou motivar atitudes ou comportamentos, se não demonstrarmos conhecimento, reflexão e soluções fundamentadas para os seus problemas? Na estimulante área da Saúde, esta questão tem ainda maior relevância. Neste âmbito, o pensamento estratégico e os instrumentos de comunicação, tão explorados ao longo do curso, ganham finalmente corpo quando entramos no mundo real, e tudo parece fazer sentido. Mas o fosso também existe.

No meu primeiro dia de trabalho, pediram-me para fazer um follow-up. “Follow quê?” Então onde estão os planos de comunicação de 90 páginas? Os extensos estudos sobre a organização? Onde estão as múltiplas ferramentas de avaliação de cada uma das acções, os inquéritos e caixas de sugestões? Desaparecem dezenas de conceitos e procedimentos, e surgem novos afazeres: contacto com o cliente, contabilidade, constrangimentos legais, financeiros, logísticos, chefias, ordens. Numa sala de aula somos livres de questionar incessantemente e de propor todas as ideias minimamente razoáveis, ainda que condenadas à impossibilidade da sua concretização. Somos ainda desprendidos de responsabilidades para com uma organização que precisa de sobreviver. A passagem do mundo académico para o mundo profissional, em Comunicação, assenta sobretudo na percepção de sérias responsabilidades e na redução de um universo a um pequeno planeta, levando-nos por vezes a pensar que aprendemos tanto para aplicar tão pouco. Aprendemos a pensar estrategicamente, a gerir uma crise, a organizar um evento, a fazer comunicação interna, campanhas de publicidade, protocolo, jornalismo, marketing, gestão, sociologia, psicologia… E nos primeiros tempos enquanto profissionais, só nos vemos a escrever Press Releases e a fazer relatórios de clipping. Alguma desilusão é inevitável. Mas a boa notícia está aqui: é que o enredo desenvolve-se, e pouco a pouco notamos que se encaixam em vários momentos as diversas aprendizagens, à medida que evoluímos enquanto profissionais. Junta-se ainda o enriquecimento inigualável da aprendizagem com os mais experientes, que como no jogo de estafeta, transportam o testemunho que nos faz sentir que a passagem de um palco para o outro pode ser assustadora, mas simultaneamente apaixonante."

Ana Martins
Senior Consultant MediaHealth Portugal

2 comentários:

P.R disse...

Belíssimo texto
Foi natural, na leitura deste “depoimento”, um certo reconhecimento das mesmas vivências e dos mesmos pensamentos e receios de quem também sentiu, e sente, que o confronto teoria/prática nem sempre é fácil e consoante.

Um abraço a ambos!

Anónimo disse...

Welcome to the jungle! Bom texto da Ana. Continuação de bom trabalho.